Demorou mais de 3 meses até arranjarmos um apartamento minúsculo no bairro indiano de Clapham South. Foi um alívio arrumar a tenda canadiana que tinha sido a nossa casa e viver debaixo de um tecto como toda a gente, até porque se aproximava o inverno, que em Inglaterra não é para brincadeiras. Un dias depois, já no apartamento, acordámos com a cidade coberta por um manto de neve e congratulámo-nos com a nossa sorte.
Os empregos foram evoluindo, deixámos a hotelaria e arranjámos trabalho mais bem pago em fábricas de todo o tipo. Desde a lavandaria de um hospital em Lewisham até uma fábrica de manteiga não muito longe da Tower Bridge, experimentei de tudo um pouco. Acabei por ser despedido porque nesse verão as temperaturas em Londres subiram excepcionalmente até aos trinta e muitos graus, a manteiga derretia e ficava às voltas nas rotativas em vez de se deixar embalar pelo papel vegetal.
Por iso estava ali à beira do Tamisa e pensava como, 28 anos depois, tudo tinha mudado. A cortina de ferro e o Muro de Berlim entretanto caíram, o movimento hippie e o comunismo transformaram-se em falhanços, a minha namorada nunca mais a vi nem soube dela. Portugal revoltou-se contra a ditadura e foi, passadas duas décadas, admitido na Europa e eu estava de volta a Londres, mas desta vez instalado num excelente hotel a fim de fazer um concerto como músico profissional português numa fabulosa e mítica sala de espectáculos inglesa mesmo ali ao lado, o Royal Festival Hall. Alguém tratava agora de fazer a minha cama e arrumar o meu quarto, talvez um jovem que daqui a uns ano se hospedará tamém num bom hotel e por aí fora...»
[Carlos Maria Trindade, Escritos de Viagem - À Volta do Mundo como Músico dos Madredeus, Lisboa: Corda Seca, 2006, pp. 146-147]
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